domingo, novembro 04, 2012

AMAR

* CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
 
 
 
"QUE PODE UMA CRIATURA SENÃO,
 entre criaturas, amar?
 amar e esquecer,
 amar e malamar,
 amar, desamar, amar?
 sempre, e até de olhos vidrados, amar?
 
 Que pode, pergunto, o ser amoroso,
 sozinho, em rotação universal, senão
 rodar também, e amar?
 amar o que o mar traz à praia,
 e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
 é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
 
 Amar solenemente as palmas do deserto,
 o que é entrega ou adoração expectante,
 e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
 e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
 
 Este o nosso destino: amor sem conta,
 distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
 doação ilimitada a uma completa ingratidão,
 e na concha vazia do amor a procura medrosa,
 paciente, de mais e mais amor.
 
 Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
 amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."
 
***
 
* Poeta Brasileiro. Dispensa apresentações.
 
Publicação já em boa hora.

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