O povoado parou aquele dia. Uma
grande fogueira ornamentava a praça pública, de fronte à igreja, e a população
em balbúrdia acotovelava-se para aproximar-se do centro da ação, onde um homem
ossudo, ensanguentado, sustentava-se com esforço, declamando versos atrás de
versos, sem parar, e a cada estrofe pronunciada, embebida em sangue, tinha as
costas chicoteadas. Caía e levantava-se, num fio de vida emantando as palavras
incompreensíveis ao todo.
Cala-te! Gritava o seu atroz. E o
homem encorajava-se, incorporando a palavra com força, entoando a sua revolta.
O povo clamava, ovacionava,
achincalhava a protagonista da cena, incólume em sua crença.
O ar lhe pesava. O chão lhe escapava.
O corpo cedia. Já era hora de partir.
Uma lufada o sacudiu, e à
fogueira foi ateado fogo. Amarrado em tronco trocou os versos pelo epitáfio que
encobriria o seu pó: “Morri na inquisição, mas morri dizendo a verdade!”. E
reproduziu o texto até o fogo acalmar o seu corpo e consumi-lo por completo.
Após secarem as cinzas, os
artistas da cidade recolheram o seu pó e conduziram-no ao largo da igreja, onde foi espalhado,
lugar em que costumava declamar aos domingos, encenando as personagens caricatas dali.
Aí reside a razão e início de tudo. Incomodado
o padre tomou-o como bode expiatório logo o levando a um julgamento como já
condenado.
O poeta era tão bom fingidor que
acreditaram ser ele o diabo, tamanha penetração as palavras às pessoas
seduziam.
Morreu dizendo a verdade. Tudo
pela poesia!
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Para o amigo e irmão Geibson Emanuel
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Para o amigo e irmão Geibson Emanuel
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