domingo, novembro 04, 2012

EPITÁFIO



O povoado parou aquele dia. Uma grande fogueira ornamentava a praça pública, de fronte à igreja, e a população em balbúrdia acotovelava-se para aproximar-se do centro da ação, onde um homem ossudo, ensanguentado, sustentava-se com esforço, declamando versos atrás de versos, sem parar, e a cada estrofe pronunciada, embebida em sangue, tinha as costas chicoteadas. Caía e levantava-se, num fio de vida emantando as palavras incompreensíveis ao todo.
Cala-te! Gritava o seu atroz. E o homem encorajava-se, incorporando a palavra com força, entoando a sua revolta.

O povo clamava, ovacionava, achincalhava a protagonista da cena, incólume em sua crença.
O ar lhe pesava. O chão lhe escapava. O corpo cedia. Já era hora de partir.

Uma lufada o sacudiu, e à fogueira foi ateado fogo. Amarrado em tronco trocou os versos pelo epitáfio que encobriria o seu pó: “Morri na inquisição, mas morri dizendo a verdade!”. E reproduziu o texto até o fogo acalmar o seu corpo e consumi-lo por completo.
Após secarem as cinzas, os artistas da cidade recolheram o seu pó e conduziram-no ao largo da igreja, onde foi espalhado, lugar em que costumava declamar aos domingos, encenando as personagens  caricatas dali.

Aí reside a razão e início de tudo. Incomodado o padre tomou-o como bode expiatório logo o levando a um julgamento como já condenado.
O poeta era tão bom fingidor que acreditaram ser ele o diabo, tamanha penetração as palavras às pessoas seduziam.

Morreu dizendo a verdade. Tudo pela poesia!

***

Para o amigo e irmão Geibson Emanuel

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