TRANSE

 
TRANSE COM A POESIA
 
 
Imagem gentilmente cedida pela produtora Nós Pós
 
 
Desde criança, sempre teci. O texto e a reflexão sobre a vida mexiam comigo, eram construídos intimamente, e tão logo comecei a escrever, os coloquei pra fora. Com o falecimento de meu pai  mamãe ocupava minha mente com a costura, rendando, bordando, mas as histórias que surgiram depois dali focaram a minha escrita.
Muitos escritos perdi. Um poema de infância foi salvo, graças a uma amiga de mamãe que sugeriu publicá-lo no Suplemento Infantil do Diário de Pernambuco, o Diarinho. Os posteriores são amores que não voltam mais. rs
Na crença de que me prepararia para o mundo literário, para a produção literária, fiz Letras. Decepção e descobertas. Enveredei pela educação e dela nunca mais consegui sair. Ganha-pão, tara, teimosia, virou tudo isso o exercício de lecionar. Em sala percebi que despertava o encantamento dos alunos pela Literatura. Gozei. Mas o ápice disso tudo aconteceu mesmo após um mergulho escuro e aparentemente sem volta.
Amigos, professora (fazia na época um curso voltado para gênero) e profissionais de saúde me incentivaram a compartilhar meus textos, fazê-los conhecidos, lidos. Por recomendações médicas comecei a publicar meus poemas e impressões acerca do mundo e do que sentia. Essa injeção foi o suficiente. O fiz de graça, em blog (o que acontece até hoje), blog que rapidamente se pulverizou, que inicialmente não lembro o nome que dei. Mas o que importa  é o que eu carregava nesse Blog, isso me restaurava e trazia-me novo ânimo, resgatando minha autoestima, e assim passei a assiná-lo apenas com meu nome e com uma pequena frase abaixo, descrevendo um pouco do que sou, por força da poesia.
A poesia me protege, é minha casa, minha oração, meu Deus  vivo. A poesia ignora e desmerece autorização para tocar, para se propagar. Ela, somente Ela é força. Eu sou dotada desta força, sinto-me filha dessa poesia gritante que em silêncio demove, marca, mexe, incomoda. Minha poesia é fruto, é seiva, é sangue, é suor e é alma, e o que é do espírito, é divino, sagrado.
Mas minha materialidade necessitou encarná-la para o outro poder entendê-la e dimensioná-la um pouco como a entendo, e nessa corporeidade que venho dando a Ela, em performance, fui estudar a voz ( meu precioso instrumento de trabalho) e o corpo; fui me aprofundar em pensamentos de estudiosos, nos poetas, nas pesquisas da universidade e no teatro, onde encontrei um diálogo frutífero  que me rendeu a minha monografia de especialização.
Toda essa busca respondeu a perguntas íntimas do porquê desse meu transe com a poesia. Dessa espiritualidade, inicialmente angustiante. Desse ritual ancestral cujo compromisso não posso ignorar. Dar voz, corpo e vida ao espírito da poesia, que é mãe, que é amor divino e profano, incestuoso, sem nenhuma culpa, do princípio ao fim justificando-se pela e para a poesia. É assim que eu e Ela  nos  tratamos, e assim brisa ou tempestade de sua vontade, vou dando o ar de sua graça, vou me carregando de energia para que use de minha corporeidade quando me solicitar.
Abro mão de amores, flores, cores, e na contramão dessa renúncia, dolorida, pesada, recebo em dobro desta divindade tudo o que abdiquei, porque, e só porque, dou espaço para  Ela, A POESIA.
Márcia Maracajá
Recife, 19 de maio de 2013

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