quinta-feira, novembro 20, 2014

EU PALIMPSESTO




Para mim nada é fácil. Tudo tem sofreguidão. Angústia. Espera. Dor. Exaustão. Tem de lacrimejar. Sangrar. Suar. Diluir em restos. Excretar é o que exige minha fisiologia. Nada de facilidades. Nem amenidades. Nada de conforto. Nem superfície. Intensidade é uma palavra que me acompanha quase como  um sobrenome, desde que nasci, e é a que me presentifica.

Há escrituras no meu corpo só a mim perceptíveis. Os mais atentos, e os cuidadosos, talvez, possam captar-me. Inscritas profundas me marcam até a alma. Um corpo palimpsesto arrastado com esforço carrego por entre os dias. E em uma ordem linear ao mundo vou me reinventando numa repetição desgastante. Perecível esfacelo-me. Daí a leveza que julgam eu ter. Um pozinho que qualquer vento leva a qualquer canto onde crio novas raízes. Nisso de me ir me levo e as levo comigo. Lavo a alma. E me velo e as velo também. E me valho disso de ser um ser sementeiro que planta gente e lembrança e vontades de renovar-me e regar-me em chão que não é meu nem de ninguém. Gente que só quer viver e sofre por isso. Gente com macerações e sulcos na alma lesionada que a olho nu ninguém enxerga.

Se mudarem um pouco o foco, irão se incomodar. Afastar-se. E ao silenciar, já distanciados, logo se esquecerão de desejar viver na pele de minha textura inacabada. Exilarão este corpo complexo. Mexido. Borrado. Deslocado das realidades que pintam por aí. Apagarão meu nome dos glossários, provocador de sensações ambíguas. Novamente me reinscreverei sobre mim.

 

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