Para mim nada é fácil. Tudo tem sofreguidão. Angústia. Espera. Dor. Exaustão.
Tem de lacrimejar. Sangrar. Suar. Diluir em restos. Excretar é o que exige minha
fisiologia. Nada de facilidades. Nem amenidades. Nada de conforto. Nem superfície.
Intensidade é uma palavra que me acompanha quase como um sobrenome, desde que
nasci, e é a que me presentifica.
Há escrituras no meu corpo só a mim perceptíveis. Os mais atentos, e
os cuidadosos, talvez, possam captar-me. Inscritas profundas me marcam até a
alma. Um corpo palimpsesto arrastado com esforço carrego por entre os dias. E
em uma ordem linear ao mundo vou me reinventando numa repetição desgastante.
Perecível esfacelo-me. Daí a leveza que julgam eu ter. Um pozinho que qualquer
vento leva a qualquer canto onde crio novas raízes. Nisso de me ir
me levo e as levo comigo. Lavo a alma. E me velo e as velo também. E me valho
disso de ser um ser sementeiro que planta gente e lembrança e vontades de
renovar-me e regar-me em chão que não é meu nem de ninguém. Gente que só quer
viver e sofre por isso. Gente com macerações e sulcos na alma lesionada que a
olho nu ninguém enxerga.
Se mudarem um pouco o foco, irão
se incomodar. Afastar-se. E ao silenciar, já distanciados, logo se esquecerão
de desejar viver na pele de minha textura inacabada. Exilarão este corpo complexo.
Mexido. Borrado. Deslocado das realidades que pintam por aí. Apagarão meu nome dos
glossários, provocador de sensações ambíguas. Novamente me reinscreverei sobre
mim.
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