quarta-feira, abril 23, 2014

MISSIVA


“O destino de uma mulher é ser mulher” Clarice Lispector


Como não ser mulher?

Não essa mulher pronta

Das revistas, fotografias

Uniforme, agredida ou imaculada

Sempre retocada em photoshop

 

Não a mãe, purificada

A esposa escravizada

A amante exibida

A filha, bonequinha

 

Como não ser a mulher

Que bate cartão na firma

E ponto na esquina

Com um só fim, hein? Hein?

Me diga você, meu bem!

Me diga o que elas têm?!

 

Como não ser a mulher

Da mocinha ou do rapaz

E gostar de passar batom

De mudar o colorido  do tom

Sem desejar ser modelo

Sem se vidrar num espelho?

 

Como não ser mulher que desconhece

A flor que entre as pernas traz

E não saber de seu próprio cheiro

E não se alegrar do prazer que isso lhe faz?

 

Como não ser mulher pronta pra luta

De quebrar a boa conduta

E se empoderar da palavra não

Não aceito

Não me agrada

O respeito é o que quero

 

Como é ser mulher

Sem certidão

Ou documento que comprove

Eu mulher

Eu só, acompanhada

Eu minha amante, amada

Inteiramente mulher para mim?

 

Como ser mulher assim

Nesse mundo regulador

Da minha dor

De meu amor

De meu pudor

Do que penso pra mim?

 

Direi, a todos, então

Destinada a sê-la sou

A mulher que me salvou

De toda má educação

Que me tirou, no passado, o pão

Os direitos e o poder

O acesso ao saber

O que me dou sem contenção

 

Direi mais, já que aqui estou

Mulher eu sou, destinada assim

De saber-me e entender-me

Mulher até o fim

A mulher que se quer ir

Para além, muito além de mim.

 

Garanhuns, 7 de março de 2014.



 

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