quinta-feira, outubro 14, 2010

A PROFESSORA DOS GIZES COLORIDOS


Quando a conheci eu tinha apenas 11 anos de idade. Meu mundo estava descortinando, e as aulas de Português e Educação Artística me inspiravam.
Lembro-me que na série posterior – ela com seus cabelos arrumados, calça jeans presa com cinto fivelado, blusa de malha, tênis sempre branco – trazia seus gizes coloridos e aplicava fórmulas no quadro negro. Contava em leitura a vida de autores da literatura brasileira dando ênfase à Cecília Meireles.
Certa vez, incentivou a turma a expor poemas num painel. Acredito ter sido ela a autora da ideia. Mas naquele tempo poemas pra nós alunos só serviam para bilhetes de amor, pensávamos.
Sempre esteve atenta a todos, um a um. Um dia ensinou a Fábio, possuidor de um chulé insuportável, a lavar os pés, sapatos e meias com sabão amarelo como forma de resolver o problema. Outro dia, aconselhou os alunos magrinhos e os que não tinham fome pela manhã, a tomar suco de laranja em jejum para abrir o apetite. Seus conselhos eram sábios.
Na 7ª série tive que usar colete por causa de uma escoliose. O meu paquera desfazia de mim. Numa dessas ocasiões a professora deu uma boa lição de moral para ele e um bom puxão de orelhas em mim, dizendo-me que eu gostasse de quem me respeitasse. O conselho serviu para vida toda, pena que muitas vezes só lembrasse depois de quebrar a cara.
Nunca esquecerei o fatídico dia em que saiu da sala pedindo-nos licença após o desrespeitoso tratamento recebido do diretor, dono da escola. Depois deste acontecido muitos alunos saíram daquela escola, inclusive eu. A maioria seguiu a professora e noutra escola estreitamos amizade. Até que fui morar em outro estado.
Todas as outras professoras posteriores eram boas, mas sempre as comparava a ela e estas ficavam sempre em desvantagem. Nenhuma delas fazia leitura comparada, usava giz colorido, nem tinha as fórmulas mágicas que ela possuía para análise do emprego da gramática. Mas não era só Português que nos ensinava. Tinha algo mais de humano naquela professora que conhecia nossas almas e que sentia tristeza ou alegria apenas ao olhar os nossos olhos.
Ela foi poética em todo o seu exercício de sala de aula, mas também política. “Firme sem perder a doçura”. Foi uma verdadeira mestra. Nunca esqueci a professora, sempre lembrei a amiga e esperei, mesmo diante de suas confissões e perspectivas nebulosas sobre a educação, que um dia voltasse a lecionar pois seria um desperdício tão rica profissional não contribuir para um mundo melhor.

***

Escrevi este texto em 2004, para presenteá-lo a amiga Célia Natário, minha antiga professora de Língua Portuguesa. Felizmente, Célia voltou à sala de aula, e infelizmente entendo seu descontentamento quando por telefone disse-lhe que havia passado para o curso de Letras. Sabia das agruras da educação. Na época, torcia para que eu fizesse Jornalismo. rs Bem, não deixo de reportar nos meus escritos algumas cenas da realidade. E nem por isso deixei de escrever. Continuo escrevendo, e ela tem me lido.
Eu espero de camarote pela conclusão de seus estudos, para ler sua literatura. Confesso que muitas vezes desejei voltar a assistir as aulas dela. Tempos bons aqueles!
Hoje somos colegas a trocar figurinhas. Hoje volto a ser estudante novamente... E penso:

O que seria de nós sem a presença dos professores?

Honrarias para eles!

Um comentário:

  1. Querida, nossas histórias de primeira professora ou professor sempre soam poéticas. Mas é isso mesmo, com eles aprendemos o que estamos hoje reproduzindo - carinho, respeito, tolerância, profissionalismo... tudo de positivo que o ofício de professor/professora tem nos ensinado. PARABÉNS pelo lindo conto! Beijos.

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