À época do vestibular, Carola era
uma jovem como qualquer outra. Estudante matriculada em preparação para
ingressar no ensino superior.
Tinha seu círculo de amizades. Vivia
em franco processo de expansão de sua personalidade. Curiosa permitia-se a
tudo. Carola era nada menos que uma adolescente. Mas entendia que fora de seu corpo e de todas
as suas flutuações e inquietações os seus professores não tinham
nada-a-ver-com-isso.
Sua rotina e dever era cumprir a
obrigação de frequentar a escola, atender as solicitações colocadas em classe e
atingir resultados capazes de lhe promover a novos estágios de superação e
liberdade. Dependia de rendimento satisfatório e de uma boa interação social,
ainda que trocasse o mínimo. Essencial mesmo para ela era tratar com respeito a
todos.
Carola preenchia integralmente as
regras de boa conduta social. Até que um dia chegou à escola sem seus longos
cabelos amendoados na cintura. Choque. Surpresa. O que fizeram a essa menina?
Ela sorria. Ela está passando por algum distúrbio. Cortou os cabelos no toco.
Magra. Seio algum. Um novo garotinho pra turma. De longe só se via a bocarra e
os dentes brilhantes de Carola. De longe se via um garotinho beijando outro
garotinho. O garotinho beijando os novos garotinhos. Aquele garotinho não sabia
o que queria. Pior. Queria tudo.
Carola não usava vestidos. Não
usava bijous. Carola vivia de cara limpa. Carola era uma Carola nada pudica e
mais feliz. Tocava seu corpo. Sentia
suas entradas. Ela descobria-se antes. E em meio a tudo isso existia o
vestibular. Mas Carola estava em si. Aquilo bastou para fugir ao controle
escolar. A aluna está esquisita. Todas cortam o cabelo como o dela. Agora só
vivem afastadas. Apesar de suas descobertas provarem que ali existia outra
qualidade de vida.
Em distribuição das apostilas preparatórias,
Carola e suas amigas carecas não recebiam o material. Dias. Semanas. Meses.
Visitas à coordenação. O material chegou? Quando chega? Viam o material. Estava
lá. Não para elas. Quem não aguenta pede pra sair. Ouviam gracinhas. "Que
adianta trepar com os professores, diretores e viver nesse mau humor infeliz?" No
íntimo pensavam de suas coordenadoras. Como dizerem aos pais da perseguição
velada? Perseguem por quê? O que você fez de errado para isso? Poderiam detonar as educadoras de merda. A
escola era particular. Ignoraram. A lei da compensação era resistir. O que não
nos destrói nos fortalece. Estudavam.
Carola se libertou. Fez
faculdade. Alugou ap. Deixou os cabelos crescerem e os cortou várias vezes.
Casou e descasou. Nunca no papel. Nunca na social. Carola teve filho. Carola
também um negou. Carola licenciou-se.
Jamais pediu licença para existir. Sempre conquistou seus espaços. Foi e voltou
para onde quis. Movimentou-se conforme a sua necessidade. Carola hoje tem
tantos nomes. Carola hoje tem a afirmação social que protege suas iguais. Assiste
pela TV a liberdade de todas. Discute nas redes sociais. Lembra as várias
tendências da moda que ditavam identidades. Dos períodos e estilos musicais que
surravam, usavam e abusavam e usam da imagem da mulher.
Carola pode tudo. Mas quem perdeu o controle sobre
mulheres tais como Carola não aceita que as mocinhas, novinhas sejam outra
coisa além de princesas salvas dos pais para tomarem conta da casa do seu dono ou
a serviçal disposta a fabricar uma sociedade pronta e acabada para obedecer à
lógica do modelo de consumo. As Amélias e Ofélias para o dever; as Verão, Proibida
e Devassa para a diversão.
Carola é muito careta. Do século
passado. Não carrega consigo nada que lhe oprime. Calcinha, sutiã, dente doído...
E não tá nem aí pra lei da gravidade.
Tão lindo!
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