sábado, maio 16, 2015

PRESENTIFICAÇÃO




O relógio bate a arquitetura das horas sonoramente irritante. O motor da geladeira ocupa agressivo mais um espaço. No fundo o assobio dos saguis e o canto dos pássaros soam convidativos. Mas o relógio é soberano e age na vigília do tempo.
O tempo que o mundo lá fora insiste em perseguir. O tempo que não coaduna com o que sobrevive em mim querendo arrastar-me com correntes nos pés, pesando este meu caminho.
Abro as portas do fundo. Destravo as passagens. Tiro as sandálias. Liberto-me disso tudo de fora que pensam haver em mim. A terra me quer. O chão me pede. Me entrego. Os abacateiros, as mangueiras, e o Jamelão - fruto dos deuses hindus -, todos prenhes, me recebem manifestando-se irmãos. As raízes das árvores me fazem cócegas. Sou acolhida com suas folhagens festivamente. E o vento me acaricia.  
Não sei por que, mas choro. E essas lágrimas se abundam e banham meu corpo. Ritual sagrado de purificação. Secretude inexplicável que só se vive uma única vez. A areia sobe e é carregada por um rodopio de ar que levanta as folhas do terreiro. E sou lavada, desta vez pela terra.
Um som cúmplice do que se vai dentro de mim se presentifica. Silenciosa respeito essa voz que se instala e me restaura. Não há o que contestá-la. Apenas a certeza de que essa força me acalenta, alimenta e fortalece, aonde quer que eu vá.
***
SECRETUDE, Lau Siqueira*
tem segredo
que eu sinto

tem segredo
que nunca mais
eu minto

tem segredo
extinto

 * Poeta nascido no Jaguarão-RS, instrumento para uma poesia manifesta secretamente sagrada.   
    Mantém o Blog: A BARCA. 
Poema retirado do blog AEDOS CURITIBANOS.



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