Piaba. 1º dia em casa
Poucos dias atrás adotei um
cãozinho, no centro de zoonoses da cidade em que resido, Garanhuns. Eu, Júlia (para quem não conhece, minha filha
de 7 anos de idade) e Mika, uma amiga, visitamos o centro para conhecer os cães
ali disponíveis ( todos, claro). Não foi difícil escolhê-lo porque ele que me
cativou. Júlia teve pouquíssima participação nessa tomada de decisão, tamanho
entusiasmo de saber que poderia adotar qualquer um daqueles cães.
Batizei-o de Piaba. Minha avó
materna nos dizia que dar nome de peixe a cachorro os tornava mais
inteligentes. Ela criou um tubarão. Graciliano deu vida à Baleia. Eu sem
Tubarão e Baleia, longe do mar, crio o Piaba.
Piaba veio cheio de traumas para
nosso lar. Não se levantava da caminha nem olhava para nós enquanto nos
comunicávamos com ele. O processo de conquista da confiança dele foi intenso no
fim de semana passado, quando nos dedicamos integralmente a ele. Essa doação também
me levou a fazer algumas reflexões a respeito de nossas práticas afetivas. Do
por quê de nos entregarmos gratuitamente a certas pessoas em detrimento de outras,
assim como de outros seres.
Tem gente que cuida de planta,
prefere a qualquer criatura que reaja a estímulos com reações entusiastas. Muitas
pessoas admiram pássaros engaiolados. Outras apenas pessoas... sim,
engaioladas. Eu tenho plantas que me
acompanham há anos, para onde vou as levo. Quando morrem, sinto. Já criei gato,
uma experiência única. Freud era o seu nome. Ao assumir o emprego tive de
ausentar-me de casa muito tempo, então dei o bichano a uma amiga. Pouco tempo
depois engravidei. Júlia cresceu e me pedia um cachorrinho, há algum tempo. A
ideia era interessante numa casa com quintal. Agora
temos.
Contudo, por mais curioso que
pareça, Piaba está aqui por mim. Com ele tenho repensado isso de gostar, de me
doar, de me entregar... repensado os sentimentos de confiança, fidelidade. E
olha, não adotei um cão por nada disso. Não foi para ter dele proteção,
carinho, companhia. Na verdade ele veio
para receber e não para nos dar nada. No entanto, dois dias após a sua chegada,
estendendo roupas no varal, ele pulou alegremente e sorridente em minha
direção, e lambeu meus pés... gratuitamente aquele cão me deu respostas
sinceras de seu afeto por mim. Se eu já o amava, agora, nem sei o que sinto por
ele.
Nossa casa tem sido alegre e
festiva com a sua presença. Ele mordisca e lambe meus dedos dos pés enquanto
assisto TV com minha filha, no sofá. Todas as noites faço o ritual de lava-pés
em minha filha e em mim... por que negar a ele esse carinho, se é o que sabe dar? E novamente penso em nossas atitudes
humanas, limitadas e egoístas, desenhadas pelas convenções sociais, nem sempre
pautadas no respeito à liberdade de expressão porque agridem preceitos,
modelos...
Com Piaba, por exemplo, não me
queixo de levantar cedo, colocar sua comida, ter cuidados que tenho igualmente
com minha filha. E um colega de trabalho depois de ler este texto talvez me perguntará:
“ E qual a diferença se fosse seu companheiro, marido?”. Ahhh, papo para uma
longa conversa, para um novo texto...
O fato é que Piaba não reclama da
minha comida, dos meus horários, do meu jeito, de minha dinâmica, do que sou, porque
ele me olha na essência, como só os animais, amorosos e sensíveis são - e os
filhos, até que a sociedade consiga corrompê-los
com preconceitos.
Ser mãe triplamente, de gente,
planta e bicho é muito interessante. Na verdade, é desenvolver diferentes
linguagens de cuidado com o meio ambiente, com o universo. Atrevo-me até a
dizer que é um exercício para ser alguém mais gente, e cuidando do outro assim
sou mais importante.
Quem dera que no mundo esse cuidado
fosse estendido a todos e o amor fosse reconhecido como um gesto simples, menos
impactante...
Assim começa nossa história de
amor (minha e de Júlia com Piaba) nesse mundo tão carente de gente, tão cão de abandonado.
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