sexta-feira, março 08, 2013

ÂNSIAS DE UMA MULHER

* RELISPECTOR

"Duas mulheres correndo na praia", Pablo Picasso, 1922. Reproduzida em painel como O TREM AZUL, 1924.


Eu gosto de ser mulher
Não Flor, Cristal, Santa, Rainha do lar
Quero ser mulher: Joana D’Arc, Pagu,
Chica da Silva, Tarsila, Garibaldi,
Clarice, Bethânia, Nélida, Virgínia, Beauvoir
Dividir a maçã com Eva
E me orgulhar de pecar pecar pecar...
Fugir desse tédio vagabundo
Recuso-me ter vindo de costelas
Mas ninguém vem ao mundo sem mim
Meu barro foi modelado por mãos femininas
Não tenho medo do inferno
Pois faço da minha liberdade o paraíso
Minha deusa não me vende culpas
E acorda-me com um sorriso

Quero ter o peso que meu coração sustenta
Conhecer o mapa do meu mundo
Que me leva a prazeres legítimos
Nada de proibido
Tampouco fingimento
Abraçar orgasmos múltiplos
Ouvir os meus gemidos
Entregar-me a delícias, luxúrias, tormentos

Quero borrar minha maquiagem, ou não me maquiar
Sair dessa prateleira
Virar gata borralheira só para provocar
Não me prenda a cores, quero o arco-íris
Não me amarre a gêneros, genesis, gestos
Minha identidade sou eu quem construo
Meus medos, monstros, angústias: detesto
Mas são meus... só meus

Quero pintar o quadro que enfeita minha sala
Distraidamente bagunçar a casa
Jogar folhas por todos os lados
Sem hora, nem obrigação de arrumar
Chegar do trabalho, deitar no sofá
Ler meus livros, escrever poemas
Ouvir minha trilha sonora
Tomar minha cerveja, ficar à toa
Dormir com a televisão
Não me enjaule nas novelas
Quero discutir futebol, política, religião

Descer do salto, ou nem subir
Namorar o mundo e me casar com a solidão
Não! Não sonho com um altar
Não quero ser salva
Quero poder salvar

Sou Terra, Lua, Água, Via Láctea
Sou as cinzas da inquisição
A poeira que absorve o teu ar
Que meu sangue não seja derramado em vão
E meu ventre só irei usar
Se o desejo me partir ao meio
O mesmo vale para todo o resto
Boca, língua, coxa, seio...
Que a mão da covardia seja cortada
E nas madrugadas eu possa sair
Em busca de tudo, nada, ou apenas de mim

Abomino tanques, cozinhas, salões
Me orgulho de um ovo não saber fritar
Danem-se os ditadores
Não quero joias, não quero flores
Quero respeito e o direito de poder voar.


***
 
Esta semana me faltou um texto para postar aqui. Não que não existam textos lindos lá fora, de autores tantos e brilhantíssimos, mas gostaria que o texto estivesse fresco, quentinho, pronto pra ser degustado, saboreado como o bolo saído do forno e retirado dele a primeira fatia. Coisas de criança gulosa.
 
Minha amiga Odailta me passa uma mensagem em restrito pelo facebook com o link para esse texto que quando terminou de escrever achou a minha cara. Odailta, você conhece a minha alma. Ele é meu espelho!
 
Também é a cara e alma de um monte de mulheres irmãs minhas, e você, minha amiga, nos descreveu em poesia mulheres livres, sem rótulos, todas tal qual somos.
 
A data marca pela história dos acontecimentos, pelo que carregamos, pelo que nunca deixaremos de ser, e nós a vivenciamos sempre em poesia.

FELIZ DIA DAS MULHERES A TODAS NÓS, TODOS OS DIAS!
 
 
* Relispector é pseudônimo de Odailta Alves e está entre os sites que eu sigo.

 

4 comentários:

  1. Só acho que o catolicismo nos entranhou tanto a vida, que não ser maria virgem santíssima (daquela maneira como habita o imaginário geral) virou um pecado. Estou na busca de parar de olhar para mim como a santa ou a pecadora. Não tenho que dever a isso. Não quero 'pecar', dentro daquilo que eu considero 'pecar' e isso não tem que ver com ser mulher ou ser sei lá o quê. Só quero ser uma pessoa, melhor, no que diz repeito ao 'pecado'. E ser mulher, quero ser mais a cada dia, sem obrigação de ser machista ou feminista, conformada ou revoltada. Quero me identificar com o que vejo ser feminino, e sê-lo, mais e mais. Feliz dia das mulher para nós!

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  2. Minha irmã, quando li esse poema pensei que tinha sido tu quem fez!
    Boqueaberta... Sem palavras!
    Olhe, nenhum poema que você já tenha escrito se parece mais com você do que esse que não é seu mas LHE PERTENCE INTEIRAMENTE!
    Muito, mas muito chocada.
    Ele é perfeito, ele é tão Márcia Maracajá que pra te conhecer resumidamente, basta lê-lo. (Acho que a poeta sentiu de verdade a tua alma, como você mesma disse. Acho que ela teve mesmo foi um desdobramento enquanto dormia e foi te vasculhar... kkkkkkkkk)
    Vou compartilhar, vou salvar, vou guardar comigo pra quando eu quiser me lembrar mais ainda de ti, é só ficar lendo e lendo... e rindo bastante, rindo da certeza que alguém conseguiu te descrever tão bem, mais do que você mesma!

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  3. kkkkk... Adorei o comentário de Mikaella... Quando eu acabei de fazer o texto, e o li pela primeira vez, disse: Meu Deus, ficou a cara de Marcinha e, imediatamente, entrei em contato. Ainda quero vê-lo recitado por Márcia, ela mais do que ninguém, é capaz de passar todas essas ânsias com sua voz forte e sua alma inflamada.

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  4. Meninas, mulheres, amigas amadas, eu r-e-a-l-m-e-n-t-e me senti o eu-lírico deste poema. Sem duvida, Odailta, concordo com você, esse poema tem muito de mim, 98%. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
    Sobre tanques, cozinhas e salões tenho muito a contar, e meus dotes culinários foram aprimorados. Em momento oportuno marco um delicioso jantar.
    Cheiro nas duas, lindas!

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