domingo, fevereiro 19, 2012

LONGE DO MEU QUINTAL


Longe do meu quintal
Eu quero um jardim
Senão com flores
Mas com Mandacarus,
E xique-xiques espinhentos,

Contudo que me sorriam
De vez em quando
E de dentro
Brote água límpida
Saciando a sede
De novos carnavais

Saciando a fome
De outros animais
Transformando-se em fibra
Para nobres e plebeus
Jardim com qualquer vida
Da vida que um dia se perdeu.

Quem acompanha meu blog(e quem aqui está chegando agora), sabe que há pouco mais de 1 mês mudei-me para o Agreste pernambucano. Deixei os mangues, o mar, a Mata Atlântica e optei pelo interior, buscando no clima frio, a beleza dos jardins das casas desta cidade, a vida pacata e um quintal panorâmico longe do caos e violência da cidade grande.
O fato é que mesmo estando conectada ao mundo pela internet, viver numa casa com três cachorros, quintal com árvores e saguis, e uma rua sem asfalto, exige muito trabalho. Minha terapia é a limpeza. Então percebi que no meu cálculo em busca de qualidade de vida troquei o tempo perdido com o estresse do cotidiano e nos engarrafamentos da metrópole por uma vida menos artificial e mais pé no chão, com exercícios que  exigem de mim o cuidado que vai além da manutenção da minha beleza exterior, destinando cuidados com os seres que me cercam.
Ocorre que há poucos dias, tendo ligado a TV, venho ouvindo a chamada para uma matéria que um programa irá exibir hoje. A síntese enfatiza a barbárie cometida por rapazes no interior da Paraíba. Evitando me contaminar com notícias negativas, fujo da programação televisiva. Mas ao abrir meu e-mail, textos me chegam aos montes. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, minuciosamente planejada, por homens que queriam simplesmente "dar um susto" nas mulheres com quem conviviam; poupando suas esposas, os casados estupraram suas conhecidas etc., todos, claro, covardemente camuflados, para não assumir o crime.
E, imediatamente, fui bombardeada por letras de músicas que incitam tais comportamentos e que os jovens têm acompanhado em coreografias de bandas que se qualificam artísticas. Não só isso, lembro-me de colocações absurdas de pessoas ligadas à mídia que imbecilmente, para atrair holofotes, disseminam ideias misógenas e alimentam o pensamento patriarcal, machista e retrógrado que trata a mulher apenas como objeto, seja de desejo, seja de saciedade para suas animalidades.
Dia desses, na festividade carnavalesca da escola onde leciono, atendendo aos pedidos de alunos que haviam ensaiado uma "coreografia", ouvi trechos dignos de serem enlatados junto a material radioativo, com todo aparato de segurança que requisita esse tipo de LIXO. A letra descrevia cenas de uma relação sexual enriquecida com muita violência, orientando passo a passo do ato, estimulando a brutalidade, a agressividade, como um casal deve se relacionar na intimidade.
Atrelado a "isso", os gestos e movimentos da tal coreografia mais se assemelhavam a uma cena de bacanal ou ritual de acasalamento. Verbos como bater, machucar e similares não poderiam deixar de acompanhar essa combinação indigesta que tive de ruminar desde que presenciei-a e, claro, interrompi.
E agora, depois de ler os textos referentes ao crime e ao estupro coletivo de Queimadas-PB, comparar uma cidade grande a uma de interior não é absurdo, quando discutimos a ausência de aparatos legais que impactuem a avalanche de  lixos persuasivos  enltecendo a agressão, a violência sexual  e dirigida contra as mulheres.
A ausência de cultura que incentive a criticidade, sabemos há muito, é o ópio e o cabresto do povo, que se alimenta da cultura de massa manipulatória, mas que consigo traz forte carga de violência, elevando os crimes, a anarquia, a libertinagem, o desrespeito ao próximo; e a população só tem dimensão da violência quando ela foge do controle das autoridades, que nesse caso não é a que "dá" de graça o pão e o circo, mas a que assume o peso e a cobrança dos que são vítimas. A educação e a segurança padecem, de mãos atadas pelas leis ordinárias- falo no sentido imprestável -, que atribui à maldade assumida pelo criminoso com anos de punição negociável, reduzindo a vida ceifada ou maculada à incoerente e justificável boa conduta carcerária, aliada ao histórico de seus antecedentes criminais, como se esta ausência em registro santificasse o criminoso que, num vacilo, foi descoberto pela lei.
Longe do meu quintal acontece isso tudo, o julgamento do assassino confesso de Eloá, o crime em Queimadas-PB, o carnaval sexista respaudado pela lei... e eu, aqui onde agora me plantei, organizo meu plano de ação para iniciar mais um exaustivo trabalho de educação para os estudos de gênero em meu local de batalha contra a cegueira intelectual, na cidade que escolhi. Num paraíso que não quero ver a violência se perpetuar.
É preciso mais para acabar com tanto preconceito. É preciso muito, além de nossas energias, para "contaminarmos" as pessoas com o germe da educação crítica que respeite a dignidade humana. E não posso jamais dizer que o meu salário faz diferença na hora de discutir assuntos vitais como este. Prioridade, neste momento, é ação. 
Longe do meu quintal  eu quero um jardim, senão com flores, mas com mandacarus, espinhentos, contudo que me sorriam de vez em quando, e de dentro brote água, límpida, matando a sede de novos carnavais...



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