domingo, dezembro 26, 2010

FELIZ 2011

Tratado sobre a Amizade
Luiz Martins


Ficaremos amargos porque chove sem parar estragando-nos o passeio, porque o telefone não funciona, porque escorregamos numa casca de banana e sujamos roupa nova, porque essa vida é uma droga insípida, porque perdemos pai e mãe, porque as noites são longas, porque os homens são ferozes, porque os caminhos da morte são curtos e os da felicidade incertos, porque não conhecemos a rota para Pasárgada? Não, não ficaremos amargos. Poderemos ficar tristes, desiludidos ou desesperados, mas amargos não. Se perdemos o avião, a carteira ou as ilusões, não perdemos tudo. Restam-nos os amigos.

Creio que um dia ainda hei de escrever um tratado, muito extenso, judicioso e acaciano, sobre a Amizade. Direi que a amizade é o mais puro dos sentimentos e que um bom amigo vale mais do que a jóia mais cara. Direi isso de um jeito solene e sisudo, como se estivesse descobrindo verdades insuspeitadas e precisasse ensiná-las aos homens. Não fará mal nenhum que riam de mim. Não será um livro para os críticos nem para o público geral, mas apenas para os meus amigos. Será mais particularmente ainda, para uns três ou quatro indivíduos de ambos os sexos que nos momentos das minhas angústias tenho certeza que mais próximo de mim vão estar, será para o amigo constrangido e “gauche” que nada saberá dizer para me consolar, mas que me olhará nos olhos com ternura e silêncio, batendo-me no ombro de certa forma comovida que eu bem hei de compreender e sentir; será para o amigo o mais dedicável, o mais incansável, o mais disposto a servir, e que por isso mesmo é sempre o mais importunado pelos problemas alheios; e será, sobretudo, para que teus olhos o leiam que hei de escrever esse livro absurdo – doce, admirável, devota amiga.

A essas pessoas que me querem bem hei de ensinar, por exemplo, que a Amizade é mais duradoura que o amor. E elas hão de ficar espantadas com minha ciência e boquiabertas, cheias de admiração, dirão umas às outras: “como ele sabe das coisas!” E, apesar de tudo, não ficarei vaidoso. Aceitarei esses elogios com um jeito retraído e modesto, tendo nos lábios um sorriso bastante simpático e um tanto idiota, sorriso de colegial que tirou o primeiro prêmio de comportamento no ginásio.

Sim, hei de escrever um dia esse livro tolo e comovido, que nenhum editor publicará, escreverei eu mesmo à mão, lentamente, carinhosamente, os quatro ou cinco exemplares que constituirão toda a edição. Depois, neles porei dedicatórias afetuosas, remetê-los hei pelo correio e passarei a escrever minhas memórias.

***

A todos os meus amados, inesquecíveis, fiéis e saudosos amigos.

2 comentários:

  1. Márcia,

    Feliz Natal atrasado e feliz 2011 antecipado!

    Gostaria de ter mais tempo para me perder/encontrar nas postagens daqui, mas por hora passo 'apenas' para lhe desejar felicidades. Depois volto como leitor faminto.

    Abraços,
    Caju.

    ResponderExcluir

Contribuições