domingo, setembro 26, 2010

A CONSULENTE


No fundo da gaveta guardava um maço de cartas enroladas em tecido aveludado. A cada arrumação do guarda-roupa hesitava em se desfazer ou ficar com elas. Entrava e saia ano, o invólucro ocupava lugar entre as suas peças íntimas.

Na juventude, deitou suas cartas sobre fina seda inúmeras vezes. Viu desenlaces, paixões, doenças e sucesso para muitos, mas sua própria vida era coberta por um tecido fino, leitoso, que a impedia de transpassar do presente ao futuro como ocorria em suas cartas para todos que a procuravam.

Seus motivos secretos para o abandono das cartas nem ela lembrava. Sua recordação trazia de volta sensações, e nestas revivia o equilíbrio de abrir-se para o nada e nisso ter o domínio do mundo.

Dias e noites. Sóis e chuvas. Calor e frio. Aridez e abundância. O que lhe sobrava do que deixou nas cartas era o que lhe temperava a vida.

Navegando na internet viu um jogo armado de cartas, pronto para sua leitura. Não resistiu. No jogo a respostas curtas o diabo, um seis de espadas e um nove de copas. Desconectou-se da rede e foi viver a vida.

2 comentários:

  1. Excelente. Cheio de imagens. Sobre o final do texto, postei algo no Sábados de Caju que é harmônico ao que você escreveu: Vivaovivo.

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  2. Eu li, Fred! E já trabalhei com meus alunos! Intertextualizando ininterruptamente!
    Muito bom te ver por aqui.

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