segunda-feira, agosto 09, 2010

O SEM FÉ


Negava-se a entrar em igrejas, templos, oratórios. Julgava-se incapaz da fé depositada em si pelo pai, pela mãe, pelos avós, pelos irmãos. Todos acreditavam nele, em sua palavra, em sua força. Até o vendedor de pão, que de bicicleta cruzava com ele todas as manhãs, levando o alimento fresco à padaria. Ninguém se dignava a não crer naquele homem, austero, sustentáculo de uma família, retrato da figura que deveria ser ostentada aos domingos, na cabeceira da mesa das refeições, o provedor. Todos o sabiam reto, centralizado, temente a Deus. Menos ele. Deus não representava para ele nada a mais do que um nome. E tudo em que acreditava era apenas no que realizava. A fé era uma transmutação de ideais que atingia com peculiar planejamento, e sua vida era ornada por pessoas e coisas que enriqueciam suas conquistas, segundo os que o seguiam “resultante de merecimento divino”.

No entanto, negava-se a entrar em igrejas, templos, oratórios. Não pela cruz, nem pela água benta, nem pelo senta-levanta e pelos cantos, hoje felizmente carismáticos. Ele próprio desconhecia o motivo. Sabia apenas da sensação do sabor de sangue nos lábios e da pele cravejada pelo apedrejamento dos fiéis. Reviver aquela história, talvez, o fizesse acreditar na existência de Deus, que naquele instante o abandonou.

Assim, sem divagar a vida, habituado a viver realizando coisas, andava pelas casas acostumado a ver acesas velas, incensos e santos em pequenos oratórios; na infância da casa de seus pais; em visita, nas casas de amigos; em casa, vivendo com sua esposa e filhos. Porém, nunca ousou dissipar a fé dos seus. Pensava:

“Na fé dos outros me estabeleço”

E prosseguia sua vida.


***

Tentei resistir, mas não deu. É inestimável o prazer de compartilhar o que mina e transborda.

Estou tentando reunir meus textos para publicá-los. Consegui manter guardados alguns, até o momento, para elemento surpresa de leitores e amigos, mas este não deu. Há dois dias estava me cutucando. Eu ia deitar e ele me empurrava para fora da cama. Deixei de transcrevê-lo, da mente para o computador, até ontem, quando já não conseguia mais conter as palavras suplicando para saírem.

Bom, a torneira está pingando novamente.

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