sábado, abril 17, 2010

ESCONDE - ESCONDE


Passando a vista na lista de compras da semana, a professora atravessava os corredores imensos do magazine. Metia o rosto, em um de cada vez, vistoriando as prateleiras à procura dos itens que lhe faltava. De repente, viu correndo pequenos pontos de uma coluna a outra. Olhou sobre as lentes dos óculos. Esfregou os olhos com as costas das mãos. Surpreendeu-se.

Meia dúzia de seus alunos. Faziam o mesmo que na escola, nos intervalos para o recreio. Brincavam de esconde-esconde. Certamente, após a aula, nas tardes chuvosas ou ensolaradas, marcavam presença naquele centro de compras. Ar-condicionado. Coberto. Espaçoso. O quintal de suas casas. Fora dos becos apertados da favela. Afastados do meio-fio limítrofe que separa sua comunidade do canal de esgoto.

Os meninos se escondiam atrás das pilhas de leite em pó. Dos muros de biscoitos. Dos Box refrigerados cheios de iogurte. Escondiam-se como ratinhos, catitas minúsculas. Inofensivos. Passavam indiferentes às vistas do gerente, dos funcionários dali e da sociedade que se aglomera nos apartamentos sofisticados, sob proteção constante de vigilância particular.

As ruas da cidade estão limpas. Não se veem os ratos. Às vezes, confundem-se crianças semelhantes a essas com um deles. Biuzinho, Carlinhos, Chiquinho, Pedrinho, Toinho, Zezinho,... gostam de brincar no supermercado. Não estão lá pela comida, mas pelo alimento que pede a alma acuada de sua infância.

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