terça-feira, setembro 29, 2009


"Amiga,

Será que um dia chegaremos a ser realmente livres? De onde vêm essas amarras tão pesadas, tão difíceis de serem quebradas?[...]
Algumas vezes perco a coragem, duvido de minhas forças. São tantas as demandas. E, sobretudo, são muitas as exigências tantas vezes contraditórias, irreconciliáveis e esmagadoras, pois se colocam todas ao mesmo tempo.
Como conciliar, em uma mesma pessoa, a necessidade de amor, de afeto, de calor e de proteção e a necessidade de autonomia e independência , sem a qual não nos tornamos realmente livres? Como conciliar as exigências concretas de nossos filhos, que vivem fechados nas estruturas de nossas famílias dependendo absolutamente de nós, e as nossas próprias necessidades?
Reclamamos a falta de tempo para nós mesmas. Do tempo necessário para nos encontrarmos, nos formarmos, nos educarmos, para inventarmos nosso mundo de mulheres. E não nos esqueçamos do tempo considerável e do esforço psicológico necessário para a tarefa mais difícil, a de orientar o mundo que nos rodeia. [...] Desde sempre nós mulheres fomos o elemento estável,seguro, conciliador. De repente nos transformamos naquelas que desorganizam tudo. [...]
Não queremos mais ser mães-empregadas que asseguram o cuidado material a seus filhos, esposas-empregadas que cuidam da casa, trabalhadoras-empregadas que executam as tarefas subalternas. Gostaríamos que as coisas fossem feitas de forma diferente, no nosso ritmo.
Encurraladas cotidianamente entre nossas exigências e as de um mundo de homens, organizado de forma eficaz e racional, nós nos revoltamos incômodas, brigamos. Saímos dos trilhos e o mundo descarrila à nossa volta, não funciona mais como deveria.
Já contei como tudo isso me pesa, sobretudo esse sentimento de culpa que me espreita de vez em quando...há momentos em que penso que nossas mães tinham razão, que seria mais fácil se entrássemos nos trilhos.
Felizmente, hoje isso não é mais possível porque você está aí para me impedir quando eu quero desistir...”


Carta escrita a uma amiga, no livro Feminizar o mundo, 1975. Trecho in Elogio da Diferença, de Rosiska Darcy de Oliveira.

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