quinta-feira, julho 23, 2009

SOBRE CUECAS E CALCINHAS


Quando criança, todas as manhãs, horário exato de ir à escola, observava uma cena para mim intrigante passada numa das áreas de serviço do prédio defronte ao meu: uma mulher entre seus trinta anos, linda, lavando e estendendo as cuecas de seu marido.
Aquele ritual matinal me intrigava e irritava. Eu dizia a mim mesma: “Nunca vou lavar cueca de marmanjo, vê se pode!” Eu, nos meus idos cinco anos de idade.
O que a cena representou na minha vida e construiu de imagem feminina que desejo ver em muitas mulheres e até em mim mesma, nem eu mesma sei explicar.
Sabe a música do Chico: “Todo dia ela faz tudo sempre igual...” Existem mulheres que gostam de agradar seus homens, companheiros, amantes, e lavar suas cuecas, suas blusas, suas calças; é mais uma prova de seu carinho gratuito do que uma tarefa enfadonha, obrigatória ou sofrível.
Mas, durante essa madrugada eu li um artigo sobre a imagem feminina nos contos de fadas e entendi o motivo de toda a minha indignação com a vizinha ao lavar as cuecas do marido, e o meu inconformismo com as imagens que as mulheres refletiam nas histórias de contos de fadas. Cinderela, Branca de Neve, João e Maria... Minha filha não precisa ler isso. Inclusive, quando me vem com essas narrativas “modeladoras das condutas femininas” eu alerto-a: “Minha filha, príncipes e princesas são uma invenção da imaginação, na vida real existem homens e mulheres, e não existe perfeição nessa relação”. Ela com seus três anos olha para mim emudecida e rompe o silêncio falando da historinha de contos de fadas que gostou, e eu acrescento: “É muito bonita, mas uma invenção da imaginação. Quantos príncipes e princesas você já viu por aí à fora? O que existe são pessoas, e podemos considerá-las monstros, bruxas ou lindas princesas e belos príncipes, tudo vai depender de como se comportam, e não de como vemos”.
Talvez eu exagere, mas minha filha entende o que é o lobo mau da Chapeuzinho Vermelho e não fala com estranhos, tampouco é seduzida por doces como João e Maria.
E eu, mesmo contestando alguns comportamentos femininos, como a cena registrada na infância, acredito que nem sempre um agrado é uma sujeição ao sacrifício e não mantém a mulher presa aos padrões sexistas. Do contrário, o marido da vizinha não lavaria as suas calcinhas também.

P.S.: Para quem se interessar pela leitura do artigo Contos de Perrault, imagens de mulheres, de Anete Abramowicz, acesse o link abaixo:

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